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Bloqueio de operadoras offshore no Brasil: Insights sobre a suspensão de pagamentos via Pix 

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Invariavelmente, apesar da forte determinação do governo para bloquear os sites das operadoras offshore, novos sites continuarão surgindo. Além disso, esses também serão indexados pelo Google, servindo como resultado de buscas para palavras-chave referentes a jogos de cassino e apostas esportivas.

O Google também não restringe os links hackeados. Sem de fato hackear um site inteiro, essa é uma técnica usada por operadoras offshore para disfarçar o seu conteúdo ilegal sob links legítimos, como os das universidades federais brasileiras.

De acordo com uma pesquisa da ENV Media, os impactos causados pelo Google são ainda mais drásticos. Após a migração obrigatória para o domínio bet.br, as operadoras licenciadas perderam 79% do tráfego de buscas, já que o algoritmo do Google limitou cada uma delas a apenas duas posições por consulta na página dos resultados de pesquisa (SERP). Em contrapartida, o Google aumentou a visibilidade dos sites ilegais em domínios .com. 

Consequentemente, a falha direcionou os usuários a plataformas não autorizadas, causando prejuízos mensais superiores a R$575.000 para as principais operadoras licenciadas no Brasil. O impacto geral, portanto, prejudicou o recolhimento de impostos e o próprio mercado regulamentado.

Devido a esses intrincados desafios tecnológicos, no primeiro bimestre de 2025, o mercado ilegal foi responsável por aproximadamente RS$ 350.000,00 em prejuízos para as operadoras licenciadas e, também, em impostos para o Brasil.

As autoridades brasileiras podem impedir a evasão financeira para os paraísos fiscais? E em caso positivo, como?

Conforme demonstrado pela pesquisa da ENV Media sobre a estrutura de tributação do mercado brasileiro de iGaming, as operadoras licenciadas estão sujeitas a um imposto de 12% sobre a Receita Bruta de Jogos (GGR), além de uma taxa de 15% sobre os ganhos dos jogadores. E não é só isso. As operadoras licenciadas também estão sujeitas a um imposto de renda corporativo padrão de 34%, com taxas mais altas para instituições financeiras. Também são cobrados impostos adicionais como PIS/COFINS e ISS. 

Assim, a carga tributária total do Brasil sobre o iGaming excede 50%, enquanto o imposto de 12% sobre o GGR praticamente dobra a carga. Dos 88% restantes, sobram apenas 40% do GGR após a cobertura dos custos operacionais e de marketing. Além disso, outros 45% a 48% são tributados, dependendo do registro. No entanto, no Brasil, Educação, Esportes, Turismo, Segurança e Saúde são todos apoiados pela realocação do imposto de 12%.

Por outro lado, as operadoras offshore não são sobrecarregadas, pois estão sediadas em paraísos fiscais. Os paraísos fiscais são países que oferecem baixas taxas de impostos e controles financeiros deficientes para atrair capital. Como resultado, as operadoras offshore transferem suas receitas para paraísos fiscais, como Curaçao, e se afastam do Brasil.

Naturalmente, o Brasil não é a única jurisdição visada pelos operadores offshore. No entanto, a diferença em relação aos mercados regulamentados mais maduros, como os EUA, é que, em vez de depender apenas do bloqueio on-line, eles empregam uma série de estratégias para enfrentar o problema de diferentes ângulos. O bloqueio de métodos de pagamento, incluindo criptomoedas, é fundamental para interromper as operações offshore nessas jurisdições.

As operadoras offshore prejudicam os jogadores e canibalizam os mercados regulamentados, além de privar os cidadãos dos benefícios financiados pelos impostos do setor. Portanto, este estudo analisa as iniciativas brasileiras em comparação com medidas bem-sucedidas em todo o mundo para evitar que isso aconteça.

Principais ações contra as operadoras offshore no Brasil

  • A ANATEL bloqueou 3.440 sites ilegais em outubro de 2024, subindo para 12.500 em março de 2025 – um aumento de 263,37% nos bloqueios de cassinos offshore pela Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA.
  • Em janeiro de 2025, a SPA realizou 75 inspeções, 51 delas direcionadas a influenciadores. No mesmo mês, o YouTube (Google) anunciou penalidades para conteúdos que promovam sites ilegais de cassino e apostas esportivas.
  • Em março de 2025, a Secretaria Nacional de Apostas Esportivas e Desenvolvimento Econômico – SNAED – ordenou a suspensão de 53 contas e 25 canais do YouTube que promoviam ganhos falsos para uma audiência superior a 100.000 espectadores.
  • De acordo com o Banco Central do Brasil, R$20 bilhões foram gastos mensalmente em apostas por meio do Pix entre janeiro e agosto de 2024. Em 2024, o Pix foi o método de pagamento favorito no Brasil, com mais de 7 milhões de transações mensais em janeiro.

Estratégias de bloqueio no Brasil

Em geral, os sites de cassino offshore estão localizados em países onde a regulamentação é frouxa e a tributação é baixa. Além disso, a natureza descentralizada do ambiente on-line permite que eles se espalhem livremente pelas jurisdições regulamentadas.

O bloqueio do endereço de protocolo da Internet (IP), do sistema de nomes de domínio (DNS) ou dos localizadores uniformes de recursos (URLs) é a tática mais comum usada para derrubar plataformas offshore ao redor do mundo.

No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – utiliza o bloqueio de DNS por ser a abordagem mais econômica e simples. As solicitações de lista de bloqueio, por sua vez, são fornecidas pela Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA.

No entanto, como vem sendo o padrão das operadoras ilegais que enfrentam bloqueios em todos os mercados regulamentados, quando um site sai do ar, outro toma o seu lugar. 

Em outubro de 2024, a ANATEL bloqueou inicialmente 3.440 sites ilegais. Em março de 2025, o número total de plataformas offshore bloqueadas chegou a 12.500. Aproximadamente, isso representa um aumento impressionante de 263,37% na quantidade de sites ilegais identificados pela SPA.

De acordo com uma abrangente revisão de literatura sobre as estratégias de bloqueio contra as operadoras offshore, diferentes abordagens para bloquear sites de cassinos ilegais também podem produzir resultados diferentes.

Por exemplo, a Dinamarca desenvolveu um mecanismo de busca automatizado para identificar cassinos on-line ilegais. Essa medida acelerou o ritmo em que as operadoras offshore podem ser rastreadas e bloqueadas no país.

Em contrapartida, países como Grécia, Chipre e Brasil atualizam as suas listas de bloqueio manualmente. O Chipre, por outro lado, publica a sua lista de bloqueio on-line para promover a conscientização.

Assim, em termos de publicidade, o bloqueio de DNS pode ser mais eficaz quando combinado com objetivos educacionais, por exemplo. Como sugere o estudo, a tática pode ser aprimorada para permitir que os usuários leiam o motivo pelo qual o site foi bloqueado, em vez de simplesmente encontrar uma página em branco de Erro 404.

Contudo, embora o bloqueio de DNS seja fundamental, por si ele é incapaz de impedir que os cassinos offshore operem ilegalmente. Assim, os influenciadores que promovem operadoras não licenciadas nas redes sociais também se tornaram alvo do governo brasileiro.

Em janeiro de 2025, a SPA realizou 75 inspeções, 51 das quais relacionadas a influenciadores. Também em janeiro, o YouTube – a plataforma de vídeos do Google – anunciou que penalizaria o conteúdo que anuncie sites ilegais de cassino e apostas esportivas.

Em dois meses, porém, a Secretaria Nacional de Apostas Esportivas e Desenvolvimento Econômico – SNAED – do Ministério do Esporte ordenou a suspensão de 53 contas e 25 canais do YouTube que prometiam ganhos falsos para mais de 100.000 espectadores por transmissão ao vivo. 

Também em março de 2025, identificamos manualmente mais de 100 vídeos ainda disponíveis no YouTube que promoviam plataformas ilegais, prometiam ganhos fáceis ou falsas estratégias de cassino. Um deles, um vídeo que apresentava falsos hacks para o Fortune Tiger, acumulou 115.000 visualizações nos últimos 2 anos.

O bloqueio on-line é uma tarefa importante e permanente para os órgãos reguladores, embora possa ser visto como uma forma de enxugar gelo. No entanto, quando combinado ao bloqueio de pagamentos, a tática eleva o nível do jogo.

Bloqueio de pagamentos

O bloqueio de pagamentos impede depósitos e saques nas operadoras ilegais. Ele também interrompe as transações com os serviços de pagamento, como o PayPal, sufocando os negócios.

Apesar da ausência de estudos sobre a eficácia do bloqueio de pagamentos, essa é uma medida vigente em mercados importantes, como os EUA e a França. Embora ela não ofereça uma solução completa, quando combinado com outras táticas, o bloqueio de pagamentos contribui para um ambiente muito mais seguro e justo.

Nos EUA, sob a autoridade do Sistema Federal de Reserva, o bloqueio de pagamentos foi introduzido em 2006 e pode ser menos complexo do que o banimento de sites. As instituições financeiras, como os bancos, devem suspender as transações restritas mediante solicitação do Sistema Federal de Reserva.

Por sua vez, em 2022, a Autoridade Nacional de Jogos de Azar da França – ANJ – adquiriu o poder de impor bloqueios de pagamento contra operadores ilegais. Embora o processo para o bloqueio de sites na França também seja burocrático, exigindo um mandado legal, ainda assim a ANJ é capaz de cortar o mal pela raiz.

Nesse sentido, a maioria das transações no mercado global de iGaming é realizada via PayPal. Outros métodos menos populares incluem cartões de crédito, transferências bancárias e serviços como Google ou Apple Pay.

O Pix lidera no Brasil

Até o momento, o Brasil proibiu o uso de cartões de crédito, incluindo o benefício social Bolsa Família, em plataformas de cassino e apostas esportivas. A decisão teve como objetivo evitar o endividamento e as operadoras licenciadas proibiram o uso de cartões de crédito antes mesmo de uma solicitação formal do Ministério da Fazenda.

Contudo, embora a medida fosse eficaz na prevenção de dívidas, ela não foi suficiente para barrar as operadoras offshore, que ignoram as políticas de Jogo Responsável. Desse modo, como os bancos e as fintechs seguem intermediando transações com essas plataformas ilegais, os consumidores permanecem expostos a riscos.

O Banco Central monitora e controla as atividades das instituições financeiras no Brasil. De acordo com as Estatísticas de Meios de Pagamento de 2024, o Pix domina amplamente as transações mensais no país. Em janeiro de 2024, o Pix ultrapassou 7 milhões de transações mensais, deixando todos os outros métodos de pagamento para trás.

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Fonte: Estatísticas de Meios de Pagamento do Banco Central do Brasil 2024

Conforme mencionado no estudo da ENV Media sobre o novo processo de registro em plataformas licenciadas, embora contestado por especialistas do mercado, o Banco Central anunciou que o total de depósitos via Pix em apostas atingiu R$20 bilhões entre janeiro e agosto de 2024.

Como teve acesso a essas transações, o Banco Central também poderia ter avaliado quanto desses volumes mensais foram direcionados para plataformas ilegais. Portanto, assim como aconteceu com o bloqueio de cartões de crédito, os pagamentos instantâneos para operadoras ilegais por meio do Pix também deveriam ser proibidos.

Como o bloqueio do Pix exigiria que os jogadores abrissem contas bancárias no exterior, realizar depósitos em sites não autorizados de cassinos e apostas esportivas se tornaria mais difícil. 

Principais estratégias para bloquear as operadoras offshore 

A regulamentação brasileira garante inúmeros benefícios para as operadoras licenciadas, como o domínio exclusivo “bet.br”. Porém, na prática, essas vantagens são desvalorizadas pelos problemas de governança das Big Techs. 

Isso envolve algoritmos ou processos de aprendizado de máquina que não conseguem distinguir o conteúdo ilegal. Portanto, é urgente abordar essas questões no contexto do Marco Civil da Internet com os representantes das grandes empresas de tecnologia no Brasil.

Por outro lado, se o Brasil seguisse o exemplo de Chipre e publicasse a sua lista de bloqueio on-line, o país poderia se beneficiar muito dessa tática educacional e potencialmente engajadora.

No entanto, em comparação com as estratégias de bloqueio em mercados mais maduros, como os EUA, o oposto é verdadeiro no Brasil. Embora o bloqueio de plataformas ilegais de cassino e perfis nas redes sociais seja um procedimento padrão, solicitar às instituições financeiras que bloqueiem pagamentos é aparentemente mais desafiador.

O papel do Banco Central do Brasil – a principal autoridade monetária do país – deve, portanto, ser significativamente mais ativo no combate ao mercado ilegal. Considerando que o Banco Central também está aprimorando a segurança das transações via Pix ao excluir as chaves de contas irregulares, a sua cooperação com a SPA já deveria ter iniciado há muito tempo.

Além disso, como a maioria das transações com operadoras de iGaming em todo o mundo é realizada por meio do PayPal, a participação do Banco Central também é necessária para que, por meio de acordos com as fintechs, a legalidade possa ser garantida no Brasil. 

Como é corrente no tradicional setor de jogos de azar dos EUA, e agora no iGaming, o bloqueio de pagamentos – e do Pix em particular – elevaria muito a segurança dos jogadores e os padrões de Jogo Responsável no Brasil. Por sua vez, isso garantiria um mercado brasileiro próspero, cujas operações se traduziriam em benefícios ainda maiores em impostos.